quinta-feira, 24 de junho de 2010

Exame de Ordem

Devido à recente liminar em mandado de segurança concedida pela Juíza Maria Amélia Senos de Carvalho, da 23ª Vara Federal do Rio de Janeiro, em favor de Silvio Gomes Nogueira, Marcello Santos da Verdade, Alessandra Gomes da Costa Nogueira, Marlene Cunto Mureb, Fabio Pinto da Fonseca e Ricardo Pinto da Fonseca, que determina que sejam inscritos como advogados sem a realização do Exame de Ordem, necessário de faz estabelecer uma discussão sobre o tema.




Existe hoje no Brasil aproximadamente 1 milhão de bacharéis em direito, e aproximadamente 700 mil advogados.



No último Exame de Ordem o índice de reprovação foi de 84,1 % do total dos que realizaram a avaliação, ou seja, de cada 10 candidatos, apenas 1,59 são aprovados.



O Exame é composto por duas fases. Na primeira a prova é formada por 100 questões de múltipla escolha, sendo 10 questões de cada matéria (direito civil, processo civil, direito penal, processo penal, direito tributário, direito administrativo, direito do trabalho, direito comercial, direito constitucional e Ética profissional). Na segunda fase o candidato deverá responder cinco questões dissertativas, e elaborar uma peça pratico-profissional, sendo que cada questão vale até 1 ponto e a peça processual até 5 pontos .



Se levarmos em conta que para o candidato ser aprovado na primeira fase, ele necessita apenas ter 50 % por cento de aproveitamento, ou seja, acertar 50 questões, e na segunda fase é necessário receber nota 6, ser aprovado não é uma tarefa impossível.



Certamente o candidato teve contato com todas as matérias exigidas no exame. Nada é exigido além do que o candidato aprendeu durante os anos de faculdade.



Contudo, como aqui já ventilado, o índice de reprovação é altíssimo, fazendo com que muitos fiquem descontentes, de forma que passam a repudiar a necessidade do exame, alegando que o mesmo é inconstitucional, imoral etc.



A Lei n. 8.906, de 4 de julho de 1994 dispões sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos advogados do Brasil – OAB. No artigo 8 fica estabelecidos os requisitos para inscrição como advogado. Dentre outros, o inciso IV prevê a necessidade de aprovação em Exame de Ordem.



Os que são contra o Exame de Ordem sustentam que o mesmo é inconstitucional, pois o artigo 5, XIII da Constituição Federal estabelece que “é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer”.



Pela interpretação dada pelos descontentes com o Exame de Ordem, o inciso supracitado, confere liberdade aos que concluem a faculdade de direito de exercer a advocacia, e que a exigência da realização do Exame seria uma inconstitucionalidade, pois estaria contrariando a norma constitucional.



Antes de tratarmos sobre a constitucionalidade ou inconstitucionalidade do Exame de Ordem, veremos qual o conceito de inconstitucionalidade.



Para Lúcio Bittencourt



"a inconstitucionalidade é um estado – estado de conflito entre uma lei e a Constituição".



José Afonso da Silva



"conformidade com os ditames constitucionais", a qual "não se satisfaz apenas com a atuação positiva de acordo com a Constituição", mas ainda com o não "omitir a aplicação de normas constitucionais quando a Constituição assim o determina".



Darcy Azambuja



"toda a lei ordinária que, no todo ou em parte, contrarie ou transgrida um preceito da Constituição, diz-se inconstitucional".



Manoel Gonçalves Ferreira Filho, conceituando o controle de constitucionalidade, fala em "verificação da adequação de um ato jurídico (particularmente da lei) à Constituição".



Paulino Jacques anota que o problema da inconstitucionalidade refere-se "à sujeição da ordem legal à ordem constitucional".



Gomes Canotilho, sob a ótica do parâmetro constitucional, lembra o conceito clássico, aliás, como se viu, repetido por todos: "inconstitucional é toda lei que viola os preceitos constitucionais".



Analisando o conceito de inconstitucionalidade, é certo afirmar que para um dispositivo ser declarado inconstitucional, ele deve estar em desconformidade com algum preceito inserido na constituição.



O entendimento de que a exigência de aprovação em Exame de Ordem para inscrição como advogado contraria o estabelecido no incido XII do artigo 5 da CF, é um tanto teratológico, pois vejamos:





Hans Kelsen foi bastante claro ao distinguir a vigência e a eficácia da norma. A vigência da norma pertence à ordem do dever-ser, e não a ordem do ser, enquanto a vigência significa a existência específica da norma; eficácia é o fato de que a norma é efetivamente aplicada e seguida.



A jurisprudência e doutrina norte-americana elaboraram e classificaram as normas constitucionais do ponto de vista de sua aplicabilidade (eficácia), em self-executing e not self-executing provisions, ou seja, aplicáveis por si mesma ou auto-executáveis, e não auto-executáveis.



Tal distinção surgiu quando se verificou que as constituições possuem normas, princípios e regras de caráter geral, que devem ser devidamente desenvolvidos pelo legislador ordinário, pois seu texto não explica minuciosamente sua aplicabilidade (eficácia).



Rui Barbosa, fundado nos autores e na jurisprudência norte-americana, conceituou as normas constitucionais auto-executáveis como sendo “as determinações, para executar as quais não se haja mister de constituir ou designar uma autoridade, nem criar ou indicar um processo especial, e aquelas onde o direito instituído se ache armado por si mesmo, pela sua própria natureza, dos seus meios de execução e preservação”. As não auto-executáveis são as que “não revestem dos meios de ação essenciais ao seu exercício os direitos, que outorgam, ou os encargos, que impõe: estabelecem competências, atribuições, poderes, cujo uso tem que aguardar que a legislatura, segundo seu critério, os habilite a se exercerem”.



Todo norma constitucional é executável por si mesma, porém isso só é possível dentro de um limite onde seja possível sua execução. Problemática está em determinar estes limites de quais os efeitos parciais e possíveis em cada uma.



O ilustre professor José Afonso da Silva estabeleceu a separação da normas constitucionais em três categorias:



Normas constitucionais de eficácia plena;

Normas constitucionais de eficácia contida;

Normas constitucionais de eficácia limitada ou reduzida.



Devemos lembrar que a eficácia é o fato de que a norma é efetivamente aplicada e seguida, ou seja, passa a produzir seus efeitos concretos.



Na primeira categoria temos as normas que produzem seus efeitos desde a entrada em vigor da constituição, pois desde logo possui normatividade suficiente para isso. No segundo grupo também temos normas constitucionais que produzem seus efeitos assim da entrada em vigor do texto constitucional, porém em seu texto é previsto meios e conceitos que permite manter sua eficácia contida em certos limites ou circunstancias. As normas do terceiro grupo, ao contrario, são as que não produzem nenhuma eficácia, com a simples entrada em vigor, uma vez que é necessário que o legislador ordinário normatizar a matéria.



O artigo 5, XIII, da CF estabelece que: “é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer. ’



O princípio de liberdade de exercício profissional, consignado no dispositivo, é de aplicabilidade imediata, porém a eficácia imediata trazida no dispositivo trata da livre escolha do trabalho, ofício ou profissão, sendo vedada qualquer proibição em relação a sua escolha. Contudo em relação ao exercício da profissão, o legislador ordinário, não obstante, pode estabelecer qualificações e condições profissionais para tanto.



É o que acontece no caso da advocacia, onde a lei 8.906/94 traz algumas condições para que o interessado possa ser inscrito nos quadros da OAB, ou seja, toda e qualquer pessoa tem a liberdade de escolher a advocacia como profissão, porém deve atender aos requisitos impostos por lei, como por exemplo, o Exame de Ordem.

O aluno quando ingressa na faculdade de direito já tem o prévio conhecimento de que ao final do curso, ao colar grau e receber o diploma de Bacharel em Direito, caso opte em exercer a advocacia, deverá prestar o Exame de Ordem, portanto não há surpresas.


A faculdade de direito forma bacharéis em direito, não advogados. Não existe faculdade de advocacia. Ser bacharel em direito é apenas um dos requisitos exigidos para ser advogado.

A atividade do advogado transcende a simples delimitação conceitual de profissão, alcançando o caráter de múnus público.

Impõe-se, portanto, para assimilação do exato sentido e alcance desse mister, buscar o significado da expressão múnus público.

Vejamos: "o que procede de autoridade pública ou da lei, e obriga o indivíduo a certos encargos em benefício da coletividade ou da ordem social".

Desse contexto, apercebe-se a relevância da profissão de advogado. A Constituição Federal de 1988 dedica a essa categoria profissional o caráter de essencialidade à Justiça, atribuindo-lhe, qualidade de pressuposto indispensável à formação e funcionamento do Poder Judiciário, conquanto não elencada dentre seus órgãos (CF, art. 92, I a VII).

No mesmo sentido, a Lei n. 8.906, de 4 de julho de 1994, que dispõe acerca do Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), estabelece, verbis:

Art. 2º. O advogado é indispensável à administração da justiça.

§ 1º No seu ministério privado, o advogado presta serviço público e exerce função social.

§ 2º No processo judicial, o advogado contribui, na postulação de decisão favorável ao seu constituinte, ao convencimento do julgador, e seus atos constituem múnus público.

§ 3º No exercício da profissão, o advogado é inviolável por seus atos e manifestações nos limites desta Lei.

Portanto, assim, é evidente a necessidade da realização do Exame de Ordem, pois a prerrogativa de que o advogado, no exercício de seu ministério, ultrapassa a mera relação contratual privada, com seu cliente, visto que sua atividade contempla o apanágio de serviço público e função social, de forma que a realização do Exame é mais que legal, ele é moralmente necessário.

O Exame de Ordem é exigido em quase todos os países do mundo, apresenta-se como requisito para inscrição e exercício da profissão de advogado, sendo compatível a exigência com a parte final do comando constitucional retrocitado, pois a liberdade de exercício das profissões liberais (em especial a advocacia) não é absoluta, devendo o bacharel se submeter a uma prévia demonstração de capacitação técnica e moral, pois também se exige idoneidade moral para inscrição na OAB - art. 8º, VI, da Lei 8.906/94, para ser julgado devidamente habilitado.

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